(no desabafar da noite..) Não havia sido a primeira vez que
eu sentia aquilo. Aquela sensação tomando meu corpo todo e me deixando em
pedaços sobre o assoalho da sala. Era como se cada mínimo tecido de pele se
derretesse aos poucos. Era uma dor tão grande que não cabia a mim só chorar.
Chorar era quase impossível. Isso tudo se misturava em ódio, saudade e rancor
ao mesmo tempo. As vezes eu começava a rir como uma idiota sem saber o que
fazer e que rumo tomar.
Era por isso que eu não tinha coragem de voltar lá. E eu não
poderia confessar isso. As paredes estavam fora do lugar e as coisas caídas em
um canto. Era difícil pra eu encarar tudo aquilo sorrindo o tempo todo. Eu se
lembrava de cada palavra que tinha falado. Lembrava de todos os abraços e da
ultima vez que eu a vi. Não posso saber se queria me pedir alguma coisa, pois
sua voz já não saia. Eu nem ao menos tentei voltar e pedir que repetisse. Eu
era fraca, assim como eu estou sendo agora. Eu tinha deixado de lado a coisa
mais importante da minha vida por pensar que duraria para sempre. Não posso
voltar atrás e todos os dias que se passam eu me torno cada vez mais um nada.
Um nada de gente, um nada de pessoa, um nada de alguém. Eu estava completamente
vazia de mim. E o que me restava agora eram as lembranças e as dores que isso
trazia.Não foi sua culpa, eu fico feliz de lembrar como você sabia cativar com
um sorriso. O que me faz sofrer é saber que eu não voltei pra escutar mais uma
vez. Que eu não fiquei intacta te olhando alguns segundos pra decorar cada
traço teu. Do que eu me lembro são as histórias, a matança, a bagunça e a
felicidade que eu tinha em cada manhã ao acordar e te ouvir. Eu não te ouço
mais a muito tempo, eu não sei se estou fazendo o certo.
E todas as vezes que eu voltava naquele assoalho minhas
costas quebravam ainda mais. Ninguém enxergava o que estava acontecendo. Mas eu
não poderia mentir, eu não suportava mais a sua falta e a única certeza que eu
tinha era de que você não voltaria, nem amanhã e nem depois. Você tinha mesmo
me deixado para sempre. E eu não poderia aceitar. E eu teria que continuar ali,
sem esquecer tudo o que me ensinou e tendo que engolir os sapos que faziam ser
real. Tendo que engolir a hipocrisia das comemorações. Tendo que fingir pra mim
mesma que você nunca existiu. Nunca me fez um café ou um lanche da tarde. Tendo
que fingir que eu não lembro mais de como você acordava e fazia um barulho
estranho. Eu não posso me afastar agora e é por mim e por você que eu continuo
ali, fingindo fazer parte daquela mentira toda. Fingindo cantar parabéns com
sinceridade. Fingindo que a melhor pessoa que eu já conheci nunca existiu de
verdade. Hoje seria o seu aniversário e eu tive mais uma vez que fechar os
olhos e fingir de que durante o tempo todo em que eu estive lá, não foi só pra
esperar que você aparecesse pra me sorrir de longe. Eu nunca vou desistir de
você. Eu nunca vou esquecer você. E nunca vou parar de te pedir pra que não me
deixe nunca, pra que possas um dia sentir orgulho e me conhecer como você nunca
conheceu. Hoje seria o seu dia e o que mais uma vez me parte ao meio é saber
que no lugar de um abraço tudo que eu tenho a lhe oferecer são flores e um
milhão de lágrimas feitas por saudade. Benção vó.
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